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Veritas est Tempo Filie – um artigo dos tempos de advogado

Verdades são ilusões que foram esquecidas enquanto tais

Nietzsche.


Mas afinal, o que é a verdade? Quem a tem? Onde esta? Este é um dos grande questionamentos que os filósofos e pensadores vem perseguindo desde um inicio da nossa existência como civilização. Não tenho qualquer pretensão de apresentar uma resposta, mas sim fazer mais alguns questionamentos e quiçá algumas provocações.


Se pegarmos o exemplo de nosso judiciário. Quantos de nós já tivemos a desagradável experiência de ter de lutar alguns anos para vermos direitos que já são nossos serem confirmado por uma sentença, e mais alguns anos para vermos esta mesma decisão ser cumprida. Será que isso se dá apenas pela já conhecida morosidade dos serviços públicos? A imensa quantidade de trabalho que nossos juízes e desembargadores tem? Mas e se nos arriscarmos a mergulhar um pouco mais nas raízes ideológicas e filosóficas desta questão?


Acreditamos que um dos pontos cruciais para desvendarmos este problema é entender as motivações que levam o processo a privilegiar discussões que perduram anos e até décadas, que muitas vezes ocasionam prejuízos irreparáveis à nossa sociedade, ao invés de procedimentos mais céleres e mesmo doloridos a todos?


Vemos que nossos julgadores ao decidirem, ao exercerem a jurisdição, o fazem, em busca da “verdade dos fatos” – termo este a nosso ver, muito inapropriado – visando entender o que realmente ocorreu na vida real, para que possam estar convictos ao julgarem. Mas, a questão aqui é: não há “verdade dos fatos”, fatos são fatos, imutáveis no passado, mas aquilo que se afirma dos fatos, o que se alega sobre os fatos se transforma, ou seja, a verdade é um conceito puramente subjetivo, portanto mutável, e o é por vários fatores que não só o decorrer do tempo, mas sim por a verdade advir do ser humano, da visão que nós temos de determinado acontecimento.


O grande filosofo NIETZSCHE chega a afirmar que não existem fatos, mas apenas interpretações, e ainda, que “Conhecer não é explicar; é interpretar”, e portanto afirmar que há apenas uma única interpretação, uma única “verdade dos fatos” é uma ingenuidade extrema. É afirmar que haja uma interpretação justa, pois a vida nos apresenta uma infinidade de interpretações e todas elas feitas sob uma perspectiva totalmente subjetiva. Nós seres humanos é que damos sentido ao mundo. Temos a certeza que não há como não se levar em conta a subjetividade do julgador, pois da sua visão, interpretação da realidade, e por trás disso toda sua construção psíquica – cultura, vivências, educação, etc – que não pode ser deixada de lado, resultará mudança e transformações na vidas de todos os cidadãos. Quanto mais nos afastamos dos eventos em discussão, mais distorcidas tendem a ser as interpretações.


Vemos que o que parece verdade e tido como verdade. Não há de se falar em bons ou maus julgamentos, mas sim em realidade distintas. A verdade é uma construção do homem, e por isso ela varia em conformidade com o momento histórico cultural em que se vive.


Podemos ir ainda mais longe, dizendo que o homem de maneira alguma possui ou descobre a verdade com seu conhecimento, mas sim a cria. Falando desta forma tenho não tenho o objetivo de negar toda e qualquer verdade, mas sim fazer-nos refletir de modo mais crítico nossos próprios conceitos, e entender que a verdade se modifica e é maleável como o homem e sua história. Nós transformamos o nosso mundo a nossa própria imagem e este mundo “aparente é o único: o ‘mundo verdadeiro’ é apenas um acréscimo mentiroso … A aparência não é o contrario da essência, não é uma máscara que oculta a verdadeira realidade: é a única.”(Machado)


A verdade que nos é transmitida pela linguagem, e esta no sentido de comunicação com o mundo, era vista na Grécia Arcaica através da palavra, e esta, “juntamente com as condições de sua enunciação, não valia apenas como pelo seu sentido manifesto, mas como um signo a ser decifrado para que um outro sentido, oculto e misterioso possa emergir, num interminável de decifrações.” [1] E esta palavra era a portadora da Althéia, da verdade. Vemos que a psicanálise, desde seu surgimento até os dia de hoje continua em busca da verdade, ou como diz Garcia-Roza, da Althéia[2]


Ainda na análise de verdade e subjetividade, chegamos a Heidegger no seu “SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE”[3], onde afirma Veritas est adequatio rei et intellectus – A verdade é a adequação do intelecto à coisa. Ou seja, deve haver uma concordância entre o fato, ou coisa, e o que presume, se diz sobre estes. E neste momento, voltamos a verdade como verossimilhança


Podemos falar basicamente em três caminhos de busca da verdade, o filosófico, o religioso e o literário. O filosofo busca a verdade por uma inquietude frente a realidade. O religioso a busca através do caminha da interioridade rumo a Deus. E a literatura, como diz Guilles Delleuse[4], nos trás o mais belo buscador da verdade – o Amante – que busca decifrar a verdade como se fosse a pessoa amada, ou seja, não só com a inteligência, mas com corpo e sua alma. Para Proust, a verdade implica a interpretação e resulta do encontro involuntário, desta forma a verdade resulta da decifração dos signos que a nós se impõe. Em suas palavras: “o que precisamos decifrar, deslindar á nossa custa, o que já antes que nós era claro , não nos pertence. Só vem de nós o que tiramos da obscuridade reinante em nosso íntimo, o que os outros não conhecem.” [5]


Além destes caminhos clássicos, vamos adiante com a visão da psicanálise. Aqui Freud nos ensina que a verdade mais pura não se apresenta no discurso espontâneo, formal do ser humano, mas prioritariamente quando há uma falha no discurso, melhor explicando, quando este é abalroado, atropelado por um outro discurso, que contradiz, ou pelo menos não esta em concordância com o primeiro. Freud nominou estes eventos de atos falhos. Ao compreender que a verdade é transmitida pala linguagem, ele acredita é na quebra da racionalidade, é neste momento – ato falho – no qual um fragmento do inconsciente aflora é que chegamos mais perto da verdade.


Mas afinal, o que isso tudo tem a ver com nosso direito? Diríamos: tudo !! Por trás dos conceitos que estamos trabalhando é que se esconde a ideologia de nosso ordenamento jurídico e do julgadores, que estão comprometidos, que tem parte da responsabilidade pela morosidade de nosso processo. Cremos que a grande questão do ser humano como um todo, e que reflete, por conseqüência, em todos os setores, e no caso estamos falando do mundo jurídico, é o problema fundamental da ideologia de Descartes que nos impregna: a Garantia, o sentimento de desamparo frente ao incerto – “Como posso estar certo que não estou cometendo um erro?” E isto é uma característica da subjetividade que toma conta de o nosso modus pensandi, dentro da praxis jurídica, tendo conseqüências, no mínimo complicadas para toda a sociedade.


O que propomos é uma nova visão, um novo pensar juridico-crítico. E a busca de um entendimento que leva em conta o ser humano, e seu Bio-psico-social, e onde estes fatores estão presente não há como matematizar a verdade . Garcia-Roza diz que “se a palavra fosse unívoca, seriamos maquinas…” e que o homem deve colocar-se no lugar de seu desamparo, “onde não há garantia alguma da verdade do outro. Sem este desamparo fundamental não haveria subjetividade, mas interobjetividade, ausência completa de qualquer coisa que se assemelhasse a inteligência Humana.”

Por fim queremos frisar que não há como chegar a verdade plena, ingênua e transparente defendida pelo pensamento positivista impregnado em nosso processo civil. Há de se considerar que a verdade é mutável, assim como a realidade e os valores. E estes são os conceitos que aplicamos aos fatos da vida, estes sim imutáveis. Então quanto mais perto o juiz estiver do “fato-problema”, a ser julgado, mais perto de verdade estará. A transcurso do tempo leva sempre e invariavelmente a transformação daquilo que se diz dos fatos – A Verdade.


[1] GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo, Palavra e Verdade, na filosofia antiga e na psicanálise. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro –RJ, p.7.


[2] [2] GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo, Palavra e Verdade, na filosofia antiga e na psicanálise. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro –RJ, p.7


[3] in: Heidegger,I SP, Abril , 1979.


[4] Preust et les Signes, PUF, 1964.


[5] O tempo Redescoberto, Porto Alegre, ed. Globo, 1957, p.130.


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