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Shiva é destruidor

Atualizado: 24 de mar.

Por Paola Martins



Quando queremos algo novo, é preciso abrir caminhos.


E às vezes, para abrir espaço ao crescimento, à novidade, à renovação, à inovação, é preciso destruir tudo aquilo o que nos atravanca a passagem.


Imagine uma floresta fechada, de mata alta e condições inóspitas, repleta de perigos escondidos em cada sombra e criaturas peçonhentas. Do outro lado da floresta, está o oásis na terra. Para chegar lá, só há um caminho: atravessar a floresta. Será, portanto, preciso abrir passagem destruindo aquilo o que atravanca o caminho.


Destruir é o ato de reduzir a nada.


Para que coisas novas surjam de algum lugar, é preciso que, primeiro, haja o nada. É impossível que coisas novas ocupem lugares que já estão ocupados.


É por isto que Shiva destrói, incinera, extingue, arrasa.


Por muito tempo, tive uma dificuldade enorme com o verbo “destruir”. Achava brahmáchárya demais, agressivo demais, radical demais...


Todas às vezes que me depara com o desafio de incinerar meus laços com aquilo o que já não me servia – hábitos, pensamentos, sentimentos, relações – resistia.


E a resistência faz retroceder qualquer jornada evolutiva.


Até que a ficha caiu: nada é mais agressivo nem mais repressor com o que posso ser no futuro do que manter aqui, no agora, o que pertence ao ontem, pelo puro capricho de permanecer amarrada no que é conhecido.


Incêndios florestais podem ser naturais. E claro que causam dissabores. Mas o fogo que destrói faz surgir uma nova vida. A serapilheira (camada de folhas, galhos e matéria orgânica no solo da floresta) contém nutrientes essenciais, quando queimada, se transforma em cinzas, que liberam minerais como nitrogênio, fósforo e potássio no solo, enriquecendo-o temporariamente. O fogo pode eliminar árvores mais velhas e densas, permitindo que a luz solar alcance o solo. Isso cria condições favoráveis para o crescimento de novas mudas e espécies pioneiras, ocasionando regeneração da vegetação. Algumas árvores, como a Banksia (na Austrália) e os Pinheiros Lodgepole (Pinus contorta, na América do Norte), desenvolveram um mecanismo chamado serotinia, onde seus cones permanecem fechados e só liberam sementes após a exposição ao calor intenso do fogo. Isso garante que as sementes germinem em um solo fértil e com menos competição.


O fogo, quando ocorre naturalmente e dentro de um equilíbrio ecológico, é um elemento essencial para muitos ecossistemas, ajudando na renovação das florestas e na manutenção da biodiversidade.


Destruir é essencial para começarmos uma vida nova dentro desta vida ainda. Caso contrário, ficamos fadados a repetir a mesma vida, uma década atrás da outra, como um disco arranhado, sem avançar para a próxima faixa.


E todos nós fomos projetados para vivermos várias vidas e personas, como Shiva, que, como homem que nasceu e morreu,  foi destruidor, meditante, bailarino e senhor dos animais numa mesma carne.

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Baita reflexão! :)

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